Este acordo de cooperação sobre troca automática de informações tributárias com os Estados Unidos significa que informações sobre contribuintes norte-americanos no Brasil serão encaminhadas pelas instituições financeiras para a Secretaria da Receita Federal do Brasil e depois repassadas ao Internal Revenue Service (IRS) dos EUA.
Por sua vez, a Receita receberia informações sobre a movimentação financeira de contribuintes brasileiros em instituições financeiras dos EUA. Saliente-se que os Estados Unidos já têm acordo assinado com o Brasil para intercâmbio de informações tributárias: o Tax Information Exchange Agreement (TIEA).
Brasil precisa adaptar previamente a sua legislação
Um primeiro passo para o acerto seria o Decreto 8.303/2014, que alterou o Decreto 3.724/2001, que, entretanto, só admite a troca ou pedido de informações quando houver procedimento fiscal instaurado contra determinado contribuinte. O Poder Judiciário brasileiro tem inclusive em muitos casos rejeitado tais pedidos do Fisco quando a quebra do sigilo bancário não é feita através de autorização judicial.
Saliente-se que desde 2011 o Brasil assumiu o compromisso com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de implementar políticas de compartilhamento de informações bancárias, e por isso, já era esperada uma evolução para um acordo parecido com os EUA para a inclusão de modalidades automáticas de troca.
Entretanto, deve ser ressaltado que o Brasil precisa no mínimo adaptar previamente nossa legislação (quero dizer, nossa Constituição) para que os bancos brasileiros possam passar para qualquer outra pessoa (inclusive o fisco brasileiro) informações automáticas sobre a vida financeira privada de seus cidadãos.
Se isto não for feito, o acordo entre os governos brasileiro e americano será considerado ilegal e inconstitucional já que fere o princípio constitucional da privacidade.
Assim, a lei e nossa Constituição determinam que as instituições conservem em sigilo suas operações ativas e passivas e serviços prestados, sendo que a quebra do sigilo só pode ser decretada, se houver necessidade, em fase de inquérito ou processo, ou seja, de apuração do ilícito. É preciso, no mínimo, haver um processo de investigação e estarem presentes requisitos mínimos que demonstrem estar ocorrendo ilícito, e a quebra do sigilo é essencial para tal comprovação, ou seja, a quebra do sigilo nunca pode ser feita de maneira automática e sem motivo relevante comprovado.
Poder Judiciário tem rejeitado pedidos de quebra de sigilo da pessoa
Vários juristas já manifestaram seu entendimento de que o acordo não pode suprimir o direito constitucional à inviolabilidade do sigilo da pessoa, ainda que vise a celeridade na troca de informações entre os contribuintes dos dois países. O sigilo das movimentações financeiras e informações tributárias de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pacificada no Recurso Extraordinário 389.808, é no sentido de impedimento de a Receita Federal ter acesso às informações irrestritas do contribuinte sem que haja autorização judicial. Ou seja, troca de informações automáticas então nem pensar, a menos que o Brasil mude sua Constituição.
Não podemos perder de vista, sob a justificativa de evitar procedimentos de sonegação, a importância e relevância de direitos fundamentais dos cidadãos bem como do devido processo legal e do contraditório para o acesso e troca das informações tributárias e bancárias entre os países, com o fim de resguardar a confidencialidade exigida pela nossa Constituição na relação entre contribuinte e Estado.
Ou seja, para que participe efetivamente desta onda mundial de trocas de informações com outros países, com o intuito de evitar sonegação tributária, o Brasil necessita antes de uma boa reforma no nosso sistema legal, inclusive a Constituição. Em o fazendo apenas com base em normativos do Poder Executivo, estaremos rasgando a Constituição e abrindo brechas para outras “bondades” contra seus cidadãos.
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